segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Antes da Terra

Prometeu
      Há muito tempo, num mundo de luz, os seres eram perfeitos, e não se entediavam com isso, nesse planeta o Senhor das Almas passeava sem esconder o rosto e conversava sem mistérios com todos. Mesmo com livre arbítrio, os seres de luz nunca escolheram caminhos egoístas, nunca se deixaram levar pela vaidade de se comparar, na comparação sempre existe rebaixamento de um e elevação de outro. Assim viviam centenas de anos em perfeita harmonia com a natureza, com os animais e com seus pares. Contudo, nessa multiplicação livre do bem, o planeta se tornou pequeno demais, então tiveram a necessidade de sair de seu mundo original. Para deixarem seu planeta natal, eles precisariam se dividir, já que não havia no universo outro lugar tão puro como o que eles habitavam, só seu planeta suportava suas magnificências. Bem, para entender isso é preciso falar um pouco mais sobre a essência desses seres.
      Cada um deles tinha, preso dentre de si, um outro eu, aquele que tomaria conta de seus corpos, caso eles optassem por uma escolha de trevas, sim, porque a capacidade de se ter livre arbítrio reside na possibilidade de libertação de uma lado rebelde, que precisa existir, para que a escolha errada seja realizada. Na verdade esses seres tinham duas almas, habitando num mesmo corpo, e como a alma que queria o bem fazia a escolha do bem sempre, eles eram mais espírito que carne. O mal não existe, a principio, por executar o mal, mas simplesmente por calar o bem, se o bem se cala, naturalmente, o mal ganha evidência. O bem é vitorioso quando toma a decisão de vencer o mal, mesmo que o mal continue existindo, contudo, o simples calar do bem já dá lugar ao mal, mesmo que o mal não se pronuncie.
      O bem precisa estar ativo, escolhendo, lutando, para que a luz vença, já o mal, na ausência do bem, mesmo não fazendo nada, já se torna vencedor, no nada já existe mal, no vazio, o que há de pior tem liberdade. O bem trabalha, o mal espreita, o bem toma iniciativa, o mal se acovarda, mesmo que a iniciativa seja não se opor, mas se afastar, o que é um movimento, e a covardia seja uma atitude intempestiva e violenta. Mas isso acontece enquanto se é carne, enquanto se espera pela terceira eternidade, que no caso dos seres do planeta de luz, é a segunda, já que eles nunca escolheram o mal e portanto não participariam de um julgamento pelo Senhor das Almas. Na primeira eternidade, contudo, mesmo os seres puramente espirituais, os primeiros seres criados pelo Senhor das Almas, tiveram livre arbítrio, mas isso é outra história.
      Se os seres se dividissem, uma alma teria que sair do corpo e habitar no espaço, enquanto a outra seguiria encarnada. Num ato de resignação e da mais pura benevolência, e como seres éticos que eram, não poderiam deixar a alma do bem viver, enquanto a rebelde, morreria, não, ser bom de verdade é dar liberdade, mesmo para quem escolhe o mal, é permitir o livre arbítrio de todos, mesmo que não pensem e vivam da maneira como aquele que se acha bom, pensa e vive. Na verdade o bom não se vangloria de sua bondade, mesmo tendo convicção de que não escolhe o mal. Então, eles fizeram o maior dos sacrifícios, lançaram suas almas rebeldes sobre um planeta, que descobriram ser o mais próximo de seu planeta original. Foi difícil fazer a escolha, todos queriam se dar em prol da maioria, mas enfim decidiram quais seriam divididos e perderiam o direito de viver encarnados em seu planeta original. Separaram o número suficiente de seres que deixasse no planeta de luz espaço suficiente para que os outros vivessem em harmonia com o universo por sete tempos de luz.
      Os seres de luz davam um valor muito alto ao seu planeta e o conservavam da maneira como ele era originalmente, quando o Senhor das Almas entregou a eles. Nenhuma animal era morto, somente vegetais eram consumidos, o que era colhido era plantado de volta, as águas eram conservadas limpas e livres, o ar, puro, as construções eram feitas respeitando o relevo da terra, vales e montes eram usados de maneira correta, sem provocar qualquer espécie de desequilíbrio ecológico. Os seres de luz não adoravam a natureza, amavam de coração ao Senhor das Almas, mas respeitavam a terra, reinos, ar e água como a si mesmos, com o afeto que tratavam suas mulheres e seus filhos, tratavam animais e natureza, eles sabiam que suas existências materiais dependiam disso e que tudo era dádiva do Senhor das Almas. Assim, quando foi necessário, e somente quando foi, desenvolveram tecnologia para viajar a outros mundos, e fizeram contato com esses mundos com a mesma consideração que tinham com o seu planeta natal. Acharam então um planeta semelhante ao seu para migrarem seu excesso populacional.
      Nesse planeta, as almas rebeldes encontraram corpos parecidos com os que tinham no planeta de luz, enquanto que as almas do bem, ficaram vagando, no espaço, ao redor do novo planeta. As almas acharam bebês de uma raça que estava chegando num ponto da evolução onde podia desenvolver suas faculdades físicas, mentais e espirituais de maneira semelhante ao desenvolvimento que os seres de luz tinham em seu planeta original. Contudo, almas rebeldes que eram, se rebelaram logo no início em seus corpos de homens, fazendo as escolhas erradas, destruindo o planeta e promovendo guerras entre si. A natureza física do planeta e carnal dos homens, sofreu com a rebeldia, os grandes jardins, as enormes, variadas e abundantes árvores frutíferas, assim como a faculdade de comunicação com o reino animal, que era dócil e não violento aos homens, e mesmo a longevidade e grande estatura dos homens, foram alteradas. Começou a faltar comida, muitos animais se tornaram inimigos dos homens, os homens passaram a viver pouco tempo, assim como se tornaram menores e fracos.
      Rapidamente a violência, injustiça e vaidade, tomaram conta da planeta, eles conheceram uma consequência do mal que os seres de luz nunca tinham provado, as doenças, do corpo e da mente, e como morriam depressa, os seres de luz tiveram que se sacrificar e mandar novas almas para administrarem os corpos. Algo que deveria ser sincronizado e levar muito tempo, acabou sendo rápido demais, assim o fim do novo planeta foi acelerado, quanto mais se enchia de gente, mais desabitado se tornava o planeta original de luz e mais almas do bem vagavam sozinhas. Essas almas nunca se afastavam de suas irmãs rebeldes, enquanto as rebeldes sempre achavam motivos para serem cruéis, egoístas, dominando sobre a carne, as almas do bem tentavam influenciar os corpos com as obras da luz, mas se venciam, o faziam com grande dificuldade.
      Esses homens, eram seres sempre divididos, frustrados, sempre insatisfeitos, mesmo que fossem mais curiosos e aventureiros que os seres de luz. Chegaram a níveis de ciência e tecnologia altíssimos, mas de forma desigual, enquanto algumas nações provavam um futuro de conforto e controle sobre os elementos, muito além daquele que o planeta de luz havia provado, em sua totalidade, outras nações viviam como selvagens, com falta mesmo de recursos básicos de sobrevivência. O planeta morria, com desequilíbrios climáticos, longas áreas quentes e desérticas e outras frias e totalmente inviáveis para a sobrevivência humana, não obstante a toda essa tragédia, alguns governos gastavam fortunas para conhecer outros planetas e fazerem guerras.
      Quando o último ser de luz se dividiu e entregou sua alma rebelde ao outro planeta, estava decretado o fim do planeta das almas rebeldes, que provaria uma terceira eternidade espiritual dramática, fruto da existência material conduzida por tantas e tantas escolhas erradas. Contudo, muitas almas rebeldes, mesmo escravas de si mesmas, tiveram a humildade de admitir suas maldades, tiveram sinceridade para assumir que não poderiam vencer sozinhas, e mesmo que passassem vidas encarnadas não resolvidas, acharam no julgamento da terceira eternidade, um veredito de misericórdia. O Senhor das Almas fundiu as almas rebeldes arrependidas com suas almas irmãs de luz e criou uma nova espécie de seres, com uma única alma, que não precisariam nunca mais passar pelo teste do livre arbítrio. Um grande mistério, que mesmo as almas de luz em todas as suas sabedorias, não sabiam, foi revelado pelo Senhor das Almas, algo que explicou a razão de duas almas num corpo e do porque de uma história de sofrimento de sete tempos vezes sete tempos de luz dividindo seres que nasceram para serem íntegros e coesos.

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