terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Quando duas pessoas se apaixonam

      Num momento do tempo, onde nem o tempo existia, num ponto do universo onde só havia um sol e os planetas giravam todos ao redor dele, os planetas tinham uma identidade espiritual. Como toda identidade, tinha personalidade e temperamento, o que sentiam e queriam se expressava na natureza de seus corpos, a vida vegetal e animal dos mundos, mundos nos quais os animais eram dóceis e a ecologia equilibrada. Mesmo que houvesse alterações climáticas que ocorriam quando o humor dos planetas mudava, nada era definitivo, radical, a vida nunca era extinta, nem prejudicada. Mas as plantas e os bichos sabiam, que quando a chuva demorava um pouco, era porque o planeta estava meio entediado, quando chovia demais, era porque o planeta estava melancólico, quando esfriava, era porque o planeta estava meio cético, mas quando o clima estava equilibrado, com ventos frescos dissipando o calor do sol, com dias iluminados e noites tranquilas, era porque o planeta estava de bom humor, cheio de esperança. Não havia nenhum animal semelhante ao que chamamos hoje de homem, os que existiam eram todos vegetarianas. Espécies que conhecemos hoje e que se desenvolveram para se adaptarem às condições climáticas extremas, não existiam, contudo, havia espécies que não poderiam sobreviver no mundo atual, diferentes, belas, mais delicadas.
      Basta pensar para existir, basta existir para se sentir só, em um determinado momento, mesmo na companhia de uma natureza tão esplendorosa, os planetas começaram a sentir solidão e ela trouxe consequências ruins para a natureza. Animais e vegetais perceberam que algo estava errado com seu mundo, algo que uma mudança de estação não resolveria, sim, porque mesmo naquele tempo as quatro estações existiam. As estação eram um presente do sol, um jeito de variar as cores e os cheiros, as formas e as relevâncias, de maneira que todos na natureza tinham seu momento de glória, onde poderiam ser apreciados em toda a sua formosura. Algumas flores só se abriam no inverno, enquanto que alguns animais tinham suas crias só no verão, mas as estações não eram como hoje, todas tinham suas belezas. Contudo, a natureza percebeu que as estações estavam se tornando extremas demais e plantas e bichos sofriam com falta de clima adequado e de alimento. Um planeta, em especial, foi o que sentiu de maneira mais forte, a solidão, antes de todos os outros, seu nome era Adamah.
      Como dissemos, no início os planetas giravam ao redor do único sol e mantinham-se a uma distância fixa, uns dos outros, contudo, quando Adamah sentiu a dor da solidão começou a se mover, sem mudar sua distância do sol, mas aproximando-se dos outros planetas. Assim começou a vagar pelo espaço, foi nesse instante que o tempo, como o conhecemos, começou a existir. Em suas andanças ele conheceu outros planetas, diferentes dele, e a diferença naquele tempo estava na ênfase que um planeta dava a uma determinada estação, em relação às outas. Adamah já tinha uma tendências natural a privilegiar o inverno, contudo, quando se sentiu só, relevou ainda mais a estação, isso trouxe desequilíbrio que fez sofrer a natureza de seu corpo celeste. Esse desequilíbrio doía em Adamah, se ele parasse de se ocupar com a dor da solidão, o desequilíbrio pararia e as coisas voltariam ao normal, contudo, quem consegue calar a solidão? Assim, o planeta-inverno agoniava-se ainda mais entre duas dores, a de ver seu próprio corpo sofrendo e envelhecendo, já que que quando começou a se mover e o tempo iniciou sua contagem, ele também começou a envelhecer. Na solidão, Adamah morria a cada momento, então pôs a mover-se ainda mais rápido, na ânsia de achar pares, na intenção de ver suas dores curadas.
      Muitos planetas até tratavam bem Adamah, mas não deixavam ele se aproximar, diziam que estavam felizes como estavam e não necessitavam de alguém mais perto, mas era isso justamente o que o planeta-inverno queria, aproximação, cumplicidade, intimidade, isso poria fim à sua solidão. Uma vez ele tentou se aproximar de um planeta, era um planeta-outono, ele pensou, "outono, bem, é parecido comigo, vou tentar chegar mais próximo", contudo, quando ele se aproximou a gravidade do outro planeta começou a puxá-lo, violentamente. Toda a natureza do planeta-inverno começou a ser danificada, Adamah lutou desesperadamente, até que conseguiu sair da órbita do planeta-outono. Ele achou que ninguém queria chegar perto dele pelo fato dele ser fraco, rendia-se às forças de outro com facilidade, perdia sua identidade e tornava-se um corpo em queda para a destruição, desinteressante a todos. O planeta-inverno arrependeu-se de ter se movido, de ter acreditado que poderia achar alguém que o livra-se da solidão, depressa retornou ao seu lugar de origem e aquietou-se. Calado e parado só fez aumentar sua dor, e mais ainda sofria a natureza, as estações praticamente se tornaram apenas duas, sendo o que frio intenso imperava na maior parte do tempo. Um período de calor ocorria de vez em quando, contudo, sem a primavera e o outono que servissem de passagem, pegava a natureza desprevenida, muitas espécies de animais e de plantas definhavam, próximas à extinção.
      Adamah se decidiu, continuaria sua busca, ele precisava de alguém, só essa união traria novamente equilíbrio ao seu planeta. Depois de percorrer por muito tempo a circunferência da órbita dos planetas ao redor do único sol, ele a viu, seu nome era Havah, um planeta-verão. Havah estava quieta, tentava manter as coisas como eram no início, mas ela também sofria de solidão. Via os animais, todos tinham companheiros, assistia o ciclo da vida da natureza, os insetos e pássaros polinizando as flores e as árvores frutíferas, alegra-se com o nascimento dos filhotes, com seus ruídos delicados, pedindo colo e alimento de uma maneira tão terna, por que só ela não tinha alguém?
      - Olá, tudo bem? - perguntou Adamah.
      - Olá, tudo - respondeu Havah.
      - Que lindo o seu verão.
      - Obrigado - respondeu Havah, notando o inverno exagerado do estranho.
      - Você nunca saiu para passear?
      - Não, prefiro ficar aqui no meu canto, você está bem? - o frio intenso de Adamah chamou a atenção do planeta-verão.
      - Mais ou menos, acho que deu pra perceber... - disse o planeta-inverno meio envergonhado.
      - Chega mais perto - ela tentou consolar o estranho frio.
      - Posso?
      - Pode - de alguma maneira ela não sentiu medo daquele planeta que acabara de conhecer, ao contrário, sentiu um afeto especial, sentiu que podia confiar nele, na verdade ela sentiu algo que nunca havia sentido, parecia que já conhecia aquele estranho planeta-inverno há muito tempo.
      Adamah se aproximou, com cuidado, ele sabia o que acontecia quando se aproximava demais de alguém, mas de alguma forma acreditou que daquela vez seria diferente. À medida que foi chegando mais perto, sentia a força da gravidade de Havah, mas ela, diferentemente de outros planetas, não resistiu, também se aproximou dele. No início acharam estranho, até desconfortável, mas com jeito eles foram achando uma solução para estarem próximos sem se prejudicarem. Quando a gravidade de um puxava o outro, eles se moviam ao redor um do outro e em direções opostas, assim mantinham-se próximos, mas sem que houvesse danos para qualquer um dos dois, chegaram a um equilíbrio. O planeta-inverno, antes caminhando para um trágico fim congelado, recebeu o calor do planeta-verão, que por se sentir solitário, também caminhava para um fim quente demais. Um esfriou o quente e o outro esquentou o gelado, Adamah e Havah entenderam que poderia haver uma harmonia que fizesse bem a ambos, se soubessem administrar suas diferenças, nenhum deles abriria mão do que era, mas compartilhariam suas diferenças de maneira que juntos, os dois, estivessem bem.
      Todavia, eles não sabiam de uma coisa, esse maravilhoso jogo de amor, onde um era lua do outro, sem deixarem de ser planetas, não poderia durar para sempre, em um determinado momento eles se chocariam e um destruiria o outro. Foi então que o sol, se manifestou, pela primeira vez no tempo, ele viu a paixão e o esforço que ambos tinham, e fez um milagre cósmico espetacular.
      - Vocês não podem continuar assim para sempre, - disse o sol - vejo que o amor de vocês é verdadeiro, nele um não se torna lua, abrindo mão de sua identidade, para girar em torno do outro que poderia existir como um planeta egocêntrico, ambos permitem que ambos sejam inteiros, mundos diferentes, mas completos, e assim se ajudam. Neste momento eu permito que seus espíritos saiam dos planetas, longe daqui, numa parte do universo onde existem mais de um sol, estrelas menores, sustentando sistemas de muitos planetas, há um planeta em especial, seu nome é Terra. Lá, a natureza se aproxima de um momento muito único, um novo ser aparecerá, superior aos animais, esse ser é o homem. Permitirei que seus espíritos habitem nos corpos dos homens, você, Adamah morará no ser masculino, e você, Havah, no ser feminino, assim poderão continuar juntos, em amor e em paz.
      Quando os outros planetas viram o pronunciamento do sol, eles também revelaram que estavam infelizes sozinhos, e que queriam se aproximar uns dos outros, mas tinham receio. O sol explicou que a união só seria possível se houvesse renúncia mútua, não para deixarem de ser o que eram, mas para darem liberdade para o outro ser o que sempre foi, a união seria a soma de dois inteiros, e não de duas partes mutiladas. Quando os planetas achassem seus amantes e descobrissem cada par o equilíbrio necessário para conviver juntos, seus espíritos teriam liberdade para sair e habitar no planeta Terra nos corpos de seres masculinos e femininos.
      Contudo, como o número de planetas que queriam essa chance de viver juntos era muito grande, muitos homens e mulheres receberam espíritos de vida. Na Terra, encarnados, os espíritos não sabiam qual espírito pertencia a um planeta que tinha tido comunhão com ele, portanto, os homens tiveram que procurar, alguns encontraram com mais facilidade, outros demoraram uma vida para achar seus pares, outros porém, nunca acharam. Só haveria amor real se espíritos de planetas com a intensidades corretas de estações se unissem de maneira a haver equilíbrio perfeito entre verões e invernos, outonos e primaveras, já que todos os seres são combinações maravilhosas de porções diferenciadas de cada uma das estações.
      Quando duas pessoas se apaixonam de fato, não são somente dois seres humanos que se encontram, mas dois planetas inteiros que se acham e entendem que podem viver juntos, equilibrados, como viveram em um tempo distante. Amar é sentir saudades do futuro, um futuro que já aconteceu em algum momento do universo, quando houve comunhão, não como partes de dois todos, mas como dois todos inteiros, que se permitem orbitar, um ao redor do outro, sem contudo, deixarem de ser planetas. Que doce é a dor de ser lua sem deixar de ser planeta sabendo que alguém faz por você o mesmo sacrifício.

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