segunda-feira, 21 de março de 2016

o primeiro beijo

"Meu Primeiro Amor" (Howard Zieff/1991)
      Um dia olhei para uma menina e senti algo diferente, uma substância mexia com a química do meu corpo, nunca tinha sentido isso. Emocional, física? Não sabia o que era, mas via o rosto dela passeando pelo meu quarto, mesmo com a luz apagada e os olhos fechados, retardando meu sono. Ela voltava repetidamente à minha cabeça e me deixava estranho, eu não andava mais pela escola à vontade. Fazer o que sempre fazia, não parecia mais tão legal, tinha dificuldade para me concentrar nas aulas.
      O mundo não estava mais vazio, cheio de qualquer um, era eu e ela, mesmo que ela estivesse lá do outro lado do pátio, eu não via mais nada, não ouvia mais nada, sua presença crescia e tomava conta de tudo, como uma deusa, minha deusa. Na hora de comprar o lanche na cantina, no meio daqueles garotos sempre maiores que eu, daquelas meninas metidas que me esnobavam, de repente eu a via na minha frente. Tudo parava ao meu redor, uma sensação esquisita apertava minhas entranhas, o tempo se congelava, ela sorria e seguia. Eu ficava, hipnotizado, até que um idiota qualquer me mandasse sair da frente.
      Depois de noites de insônia, de ver minhas notas abaixarem, de tomar pito do pai por ter esquecido o troco do pão e do leite na padaria, tomei coragem. Fui até uma das amigas dela, uma daquelas feias que se acham especiais só por serem amigas da menina mais bonita da escola, e pedi para que levasse meu recado. Por que sonhei tão alto? Por que não me apaixonei por outra? Não precisava ser a mais feia, mas uma mais comum, mais próxima das minhas capacidades. Mas eu fui, proporcional à minha falta de noção era minha coragem. E as vi rindo, apontando os dedos pra mim enquanto eu me escondia atrás de um pilar. Então ela veio em minha direção, me senti o cara mais importante da escola, mais ainda, do mundo, eu era um príncipe aguardando a chegada da princesa, prometida a mim antes de eu nascer, predestinada a ser minha menina.
      - Oi - ela me disse, que voz linda. Duas coisas adoro nas mulheres, seus olhos e sua voz, nem ligo se não têm o padrão de beleza da maioria, olhos e voz revelam a alma, uma alma quente vale mais que outras medidas.
      - Oi...
      - Minha amiga disse que você queria falar comigo.
      - Quero...
      - Pode falar.
      - Bem... eu... bem... - a voz não saía, meu coração disparou, eu amputaria uma perna naquele momento sem anestesia e não sentiria nenhuma dor.
      - Sim... - ela tentava me ajudar, era linda, que pele, que cabelos, e o cheiro, nunca mais me esqueci do cheiro, até hoje lembro dele e sinto tontura, era doce, parecia mel, mas tinha um toque de álcool, como se fosse uísque de milho aromatizado.
      - Eu... eu... eu gosto de você.
      - Obrigada.
      - Não, eu não gosto...
      - Gosta ou não gosta? -  ela sorriu.
      - Quer dizer, não é gostar como de amiga, eu... eu estou apaixonado por você - só repeti o que vi nos filmes, achei que era aquilo que se deveria dizer naquela situação, que sabia eu sobre estar apaixonado, com treze anos de idade. Suas bochechas ficaram rosadas, eu ouvia a respiração dela, forte, tão perto de mim. Bem, o que eu queria, eu tinha feito, tinha dito, o resto não importava mais.
      Ela olhou para mim, por alguns instantes, então virou as costas e se foi, não para o grupo de amigas, mas para outra direção. As feiosas correram em direção a ela, curiosas, ela seguiu, de cabeça baixa e quieta.
       Aconteceu então algo que eu não entendi, depois que me declarei, a imagem da deusa se distanciou de mim, eu não me sentia mais refém do sentimento, parece que agora eu tinha controle, me senti forte, dono da situação. Na semana que se seguiu, eu cruzei com ela várias vezes pelos corredores e pelo pátio da escola, eu a olhei com segurança. Ela, contudo, parecia tímida, abaixava os olhos e apressava os passos, meio que fugindo de mim. Então, exatamente uma semana depois da minha declaração, estava eu saindo da escola, indo pra casa, quando ouvi uma voz chamando o meu nome, eu respondi:
      - Eu? - virei para trás e a vi, era meio-dia, mas a rua estava vazia, eu nunca a tinha visto naquela rua, pelo que eu sabia, ela morava do outro lado da escola.
      - Espera um pouco... - também nunca mais me esqueci daquele timbre de voz, era uma súplica, com um leve tom de ordem, mas com nobreza, e ao mesmo tempo emocionada. Se até hoje não consegui entender as mulheres, aquilo que aconteceu comigo, a iniciativa daquela garota, permanece um mistério pra mim até hoje. Ela correu até chegar perto de mim.
      - Oi... - eu tentei começar um diálogo, agia como o estúpido que todos nós homens somos, não era momento para falar.
      - Não, fica quieto - então ela me beijou, um beijo molhado, completo, às vezes ela parava, tomava fôlego, e continuava me beijando, puxando minhas costas em direção a ela. Quando ela parou eu continuei com os olhos fechados, eu nunca tinha beijado ninguém antes. Ela me disse:
      - Não fala pra ninguém sobre isso - ela virou as costas e foi embora.
      Eu estava literalmente nas nuvens, nem sei como cheguei em casa, olhei e estava no meu quarto, deitado na cama, com os olhos presos ao teto. Nunca mais falei com ela, estudamos juntos por mais um ano e meio, nos cruzamos de vez em quando pela escola, mas o sentimento desapareceu. Me apaixonei depois, e depois, e depois, às vezes mais de uma vez ao mesmo tempo, mas mesmo depois que eu entendi que a atração feminina sempre nos leva ao relacionamento sexual, que não é só uma sensação estranha e solitária, que não é adoração de homem para deusa, mas compartilhamento por igual entre dois seres de carne e osso, nunca mais senti o que senti por aquela menina, que me deu o primeiro beijo de mulher.

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